Onde está a arte? Está na mente, sem dúvida. Mas, para executá-la, é necessário algo mais. No caso do artesanato — um processo produtivo muito antigo, datado do período medieval — as mãos são os instrumentos mais valiosos e indispensáveis. Hoje, as máquinas realizam muitas tarefas com rapidez e eficiência, mas o autêntico artesanato, apesar de ser realizado em menor escala, ainda é praticado.
Há 43 anos no Mercado de Arte Popular (MAP), o segundo mais antigo do local, só superado pelo de Juarez Portela, que está lá há 56 anos, Edivaldo Silva Moreira não é apenas um comerciante de artigos de couro. Ele ‘carrega no sangue’ o trabalho artesanal e disso se orgulha. Natural de Umburanas, um povoado de Ipirá a 98 km de Feira de Santana (município que anteriormente pertencia a Camisão), Edivaldo conhece bem o artesanato de couro.
"Meus pais, Genésio e Nair, aprenderam com meus avós e ganharam prestígio como artesãos. Até os oito anos, eu apenas observava em Umburanas, mas a partir dos 10 anos, já morando em Feira, comecei a trabalhar”, relata. Com a morte de seu pai Genésio Moreira, em 1998, Edivaldo continuou a atividade ao lado de Dona Nair, hoje com 92 anos, ainda trabalhando com tecidos na confecção de colchas de retalhos.
Para Edivaldo, o artesanato de couro é uma verdadeira filosofia de vida. Ele acompanhava os pais na feira livre de Ipirá, às quartas-feiras, e na grande feira de Feira de Santana, associada ao movimentado mercado de gado, às segundas-feiras. Hoje, as máquinas aceleram o trabalho, pois a demanda é muito grande e para atendê-la é necessário produzir em larga escala.
No entanto, Edivaldo se lembra de como, antigamente, o couro era retirado de maneira tradicional, “com muito sofrimento e trabalho”. As etapas seguintes, como curtir o couro (um processo que levava de uma semana a 15 dias) e a preparação do material para confeccionar chapéus, jalecos, selas, cintos, sapatos, sandálias, tacas (rebenques), botas, carteiras e outros objetos, exigiam verdadeira dedicação e muitas horas de trabalho dos artesãos.
Um detalhe pouco conhecido é que, para fazer furos no couro e costurá-lo, em vez de usar sovelas (ferramentas de ferro utilizadas por sapateiros), eram empregados espinhos retirados do porco-espinho. Segundo Edivaldo, havia muitos desses animais roedores originários da Ásia, África e sul da Europa na região de Ipirá, e os caçadores retiravam espinhos que chegavam a cinco ou seis centímetros de comprimento e os usavam para furar o couro, que depois de moldado (em chapéu, sapato, sela etc.) era costurado com linha ensebada (sebo de boi ou carneiro), utilizando uma agulha apropriada (agulha de sapateiro). Edivaldo acredita que, até hoje, o espinho do porco-espinho ainda é usado por artesãos mais antigos.
Para Edivaldo Silva Moreira, o artesanato de couro na Bahia está intimamente ligado à região de Ipirá, e mais especificamente a Umburanas, terra de seus pais e avós. "De lá, o artesanato de couro se espalhou para Tracupá (Tucano) e Feira de Santana, que também é muito forte, mas a raiz é Umburanas”, garante. Ele ainda revela alguns detalhes curiosos, como a razão do forte odor do couro cru, explicando que isso decorre do uso do angico e da jurema na preparação do material.
Edivaldo destaca um item crucial na produção artesanal de jalecos — peça muito procurada — que é a qualidade da matéria-prima. “O ideal é o couro do veado mateiro; o couro do veado catingueiro não é a mesma coisa!”. Apesar de há algum tempo não trabalhar diretamente na produção artesanal, Edivaldo continua envolvido com sua tradicional loja, Dedé Boxe, número 57 no MAP, vendendo peças de couro produzidas por pessoas mais jovens e garantindo assim a preservação da arte à qual sempre se dedicou, com amor e respeito: o artesanato de couro.
Por: Zadir Marques Porto
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