Hoje, atuando em praticamente todos os campos profissionais, algo antes não concebido, a figura feminina deixou de ser o ‘sexo frágil’ para ocupar o merecido e justo lugar na sociedade. Mas o protagonismo evidenciado, como se fosse uma conquista atual, remonta a séculos, numa longa jornada de desafios, dores e sacrifícios, sem obscurecer, no entanto, o papel primordial de mãe, que permanece imutável através dos tempos.
Em Feira de Santana, assim como em todo o planeta, são incontáveis as figuras femininas que participaram e participam desse processo, pontilhando o firmamento com capacidade intelectual, física, moral e espiritual. Mas, como seria impossível nomeá-las literalmente — o que pode até parecer injusto —, pela forma precursora em suas áreas, três são sempre lembradas: Maria Quitéria, Georgina de Melo Erismann e Edite Mendes Gama e Abreu.
Nascida em 1792 no Sítio Licorizeiro, distrito de São José das Itapororocas (hoje distrito Maria Quitéria), Maria Quitéria de Jesus, filha do casal Gonçalo Alves de Jesus e Quitéria Maria de Jesus, usou o nome de soldado Medeiros e, agindo como se fosse um homem, alistou-se nas tropas que eram preparadas para a luta pela Independência do Brasil a partir da Bahia. Como mulher, seu alistamento no Regimento de Artilharia não teria sido aceito e, logicamente, não existiria sua transferência para o Batalhão de Infantaria, o “Batalhão dos Periquitos”.
O comando do Batalhão, na cidade de Cachoeira, foi alertado pelo descontente pai da valente feirense e, mesmo assim, já sabendo que se tratava de uma mulher, sua presença foi permitida, tornando-se Maria Quitéria a primeira a usar a farda militar e participar de combates históricos, alcançando o posto de Cadete. Pelo seu destemor em defesa da pátria, de forma voluntária, recebeu de Dom Pedro I a condecoração ‘Cavalheiro da Ordem Imperial do Cruzeiro’ e, até o final da vida, o soldo correspondente ao posto de Alferes. Já com a indulgência do pai, a heroína feirense contraiu matrimônio e teve um filho, falecendo em agosto de 1853 em Salvador, aos 61 anos de idade.
Muito tempo depois, a luta de Georgina de Melo Erismann foi no campo da música e da poesia. Filha de Camilo Lima e Leolinda Bacelar de Lima (hoje nominando uma rua no bairro Kalilândia), Georgina nasceu em 27 de janeiro de 1893. Fez o curso de Magistério na Escola Normal de Feira, estudou no Conservatório de Música na capital do estado e foi nomeada, em 1927, para lecionar música na Escola Normal.
Casou-se com o engenheiro Walter Tudy Erismann, destacando-se como poetisa, escritora, pianista e compositora. Todavia, seu maior mérito foi ter escrito e musicado o hino de Feira de Santana, que orgulha os filhos desta terra pela beleza e verdade expressas. Georgina representou a Bahia em São Paulo, no ano de 1939, no centenário do maestro Carlos Gomes.
Especializou-se em piano, harmonia e composição e escreveu vários poemas, dentre eles: ‘Solicitude’, ‘A Fuga das Andorinhas’ e ‘Exortação’. Também participou do concerto sinfônico em homenagem aos reis da Bélgica, no Rio de Janeiro, onde faleceu em janeiro de 1940 e foi sepultada.
Edite Mendes Gama e Abreu, filha de João Mendes da Costa e Maria Augusta Falcão Mendes, nasceu em outubro de 1903, destacando-se nas letras desde muito cedo. Com 15 anos, foi conferencista no Grêmio Rio Branco em Feira de Santana. Na década de 1930, foi a mulher mais importante da cultura baiana e a primeira a fazer parte da Academia Baiana de Letras.
Em 1942, Edite foi fundadora e professora da Faculdade de Filosofia da Bahia, membro do Conselho de Educação e Cultura, e representou a Bahia no Congresso Internacional Feminista no Rio de Janeiro e na Convenção Feminista Nacional em Salvador. Integrou a Academia Carioca de Letras e a congênere do Mato Grosso, dentre outros órgãos culturais.
Edite Mendes de Gama e Abreu colecionou homenagens em medalhas, diplomas e condecorações na Bahia e em outras unidades da federação. Foi diplomada em Filosofia, Ciências Sociais, Literatura Francesa, Inglês e Canto. Foi candidata a deputada federal e faleceu em 20 de janeiro de 1982. Lembrar essas três mulheres é fortalecer a vida de tantas outras que mantêm a luta pelo protagonismo.
Por: Zadir Marques Porto
Fotos: Arquivos de famílias e ACM