Um dos melhores jogadores de futebol surgidos em Feira de Santana, o recifense/feirense Gilmar Luís de Santana é, também, personagem de uma das mais interessantes e curiosas histórias vividas por um astro desse esporte. Nascido em Coelhos, localidade do Recife, veio para Feira de Santana com pouco mais de um ano de idade, acompanhado dos pais Manoel Luiz de Santana (Decadela) e Filomena Felix Santana. Ele brilhou no futebol, mas jogou fora as maiores oportunidades devido à sua irreverência e absoluto desapego ao dinheiro.
Em 1954, o deputado federal Wilson Falcão, para reforçar o Fluminense, trouxe de Recife o goleiro Borracha, o zagueiro Geraldo Pereira e o lateral Decadela. Com pouco mais de um ano, Gilmar Luís de Santana passou a viver no meio do futebol e, aos oito anos, já despontava entre a gurizada. Canhoto, rápido, drible fácil, insinuante, ganhou o apelido devido à semelhança com o extremo Biriba, do Bahia da capital. No Tanque da Nação e na Rua da Aurora, era futebol e bola de gude, e ele estava sempre presente.
Com 14 anos, viajou para São Paulo para ver o pai e, nas peladas em Santos, conheceu Osni, que jogou no Vitória e no Bahia. O pai de Osni era dono de uma adega, e uma das diversões dos dois, fora das peladas, era tomar canecas de vinho! Dessa amizade, resultou a ida de ambos para o time juvenil do Santos Futebol Clube. Descontraído, logo fez amizade com Clodoaldo, Rildo, Lele, Douglas, Manoel Maria, Negreiros, Edu, Picolé e outros titulares do time profissional. O técnico do time juvenil, Ernesto Santos, gostou do garoto e preferiu indicá-lo ao Fluminense do Rio de Janeiro.
No tricolor, treinado pelo ex-zagueiro Pinheiro, ele foi titular do time juvenil, ganhando amizade de vários titulares do elenco profissional, como Carlos Alberto Pitinho, Cafuringa, Didi, Marco Antônio, Abel Braga, Wilton e Rubens Galaxie. O regime era duro com a rapaziada, que gostava de farrear, ir para o samba no sábado e jogar no domingo. Então, a diretoria do time 'pó-de-arroz' tomou a decisão de estabelecer que ninguém poderia ter acesso à concentração um minuto sequer depois de 23 horas. Para piorar as coisas, e sem avisar, o técnico Pinheiro resolveu dormir na concentração e, lá, depois de zero hora, o grupo chegou. Biribinha (que era chamado de Baiano) foi incumbido de entrar pela janela e pegar a chave da porta. Ágil, ele não perdeu tempo e saltou pela janela, caindo exatamente em cima da barriga de Pinheiro!
Sem ambiente no Fluminense, o Vasco, que já estava de olho, levou Biribinha para São Januário, onde ele foi tricampeão carioca juvenil (1972/73/74) ao lado de Roberto Dinamite (com quem se tornou grande amigo), Jorginho Carvoeiro, Gaúcho, Pastoril, Mazaropi e Paulinho. Tudo ia bem, mas Biribinha resolveu quebrar várias camas no alojamento — "coisa de biruta", reconhece. Afastado do time em 1974, resolveu vir participar da Festa de Santana e assinou contrato com o Fluminense de Feira. Num amistoso contra o Flamengo do Rio de Janeiro, Biribinha "entortou" o lateral Alcione.
A atuação do jogador feirense encantou o técnico carioca Aristóbulo Mesquita, que pediu a sua contratação imediata. Biribinha assinou com o Flamengo, mas já tinha contratos com o Vasco da Gama e o Fluminense de Feira! Zico ainda pediu que ele fosse mantido, mas diretores dos dois clubes cariocas se reuniram e decidiram liberá-lo. O técnico do Flamengo, Walter Miraglia, indicou-o ao Marília de São Paulo. "Tudo certo para assinar contrato. Eu havia pedido um Karma Gia zero de luvas, eles me deram outro carro, e eu não assinei!"
Com 20 anos, Biribinha passou a andar com o grupo Novos Baianos — Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Baby Consuelo, Galvão, Gato Félix (que era de Feira). Formaram o Novos Baianos F.C. e, durante dois anos, ele se afastou do futebol profissional, jogando amistosos no time do grupo musical. Em sua homenagem, Pepeu Gomes produziu a música "Biribinha nos States", que foi gravada pelos Novos Baianos e regravada em Montreal, durante um show, por Walter Davis em ritmo de jazz. Em 1976, Biribinha estava no Fluminense de Feira, quando Renato Azevedo, que jogava nos Estados Unidos, veio à cidade princesa para assistir a um jogo do Touro contra o Flamengo, visando levar o meio-campista Paulo Roberto, mas Biribinha "estraçalhou" em campo. "Quem é aquele ponta?", perguntou Renato, e Barbosa, da Loja Elegante, respondeu: "Aquele é o maluco do Biribinha". E Renato: "Tá certo, eu quero aquele maluco nos Estados Unidos!"
Durante três anos no Thunder San Antonio, Texas, Biribinha teve uma vida de luxo, com altos salários em dólar, carro do ano e ganhou muito dinheiro. Depois, foi para o México, onde também fez sucesso, mas resolveu voltar para o XV de Novembro de Jaú, São Paulo, transferindo-se em seguida para o Chile, onde fez ótimas temporadas e encerrou a carreira de jogador, começando a de treinador, mas decidiu parar de uma vez. Hoje, com 70 anos, depois de duas amputações nos membros inferiores, continua o mesmo irreverente, brincalhão, sem se abater com o infortúnio.
O filho Bel, que esteve em clubes como Vasco, Corinthians, Palmeiras, Boca Juniors, dentre outros de projeção, não quis continuar no futebol e agora o neto Janderson, de 25 anos, que foi da seleção brasileira de base e estava no futebol de Portugal, também parou. "Acho que é hereditariedade", diz Gilmar Luís de Santana, sem lamentos. "Tudo isso aqui é passageiro, não adianta nos agarrarmos a nada, porque nada é nosso e não levamos nada. Eu gostava mesmo era de jogar bola, de brincar, de me divertir!", garante, sem sinais de tristeza nem mágoas.
Por Zadir Marques Porto