Ele já não está entre nós há um bom tempo, mas vale lembrá-lo pela sua atuação na política e por uma história de vida, no mínimo, interessante. Hermes Sodré, filho de Silvestre Sodré da Silva e Julieta das Virgens de Jesus, nasceu em 10 de maio de 1921 na Fazenda Jacu, em São José das Itapororocas, hoje distrito de Maria Quitéria. Em 1933, quando a Bahia vivia uma difícil situação devido à prolongada seca, o garoto Hermes, com 12 anos, acompanhou o pai conduzindo uma tropa de burros carregando açúcar da usina do doutor Batista para o armazém de João Marinho Falcão, aqui em Feira.
Trabalhador e desinibido, Hermes foi convidado a ficar na usina com salário de 8 mil réis. Quatro anos depois, já rapaz, foi trabalhar na casa de dona Vitalina Falcão, aqui na cidade princesa, com salário de 20 mil réis. A missão não era fácil, contava ele: "Eu tinha que vender água em um burro, fazendo no mínimo 4 mil réis por dia. O que passasse era meu." Jovem e determinado, ele conseguiu guardar um bom dinheiro e voltou para a fazenda dos pais em 1934, quando passou a abater animais – boi, porco e carneiro – para vender e, como a iniciativa deu certo, adquiriu 29 tarefas de terra, passando a negociar animais no campo do gado, que ficava onde hoje é o Fórum Filinto Bastos e o Museu de Arte Contemporânea.
Nesse período, foi convidado e fez sua primeira filiação partidária no PR com Heráclito Dias de Carvalho, prefeito entre 1938 e 1943. Depois, filiou-se ao PSD com Eduardo Fróes da Mota, que foi prefeito do município em 1944. Mais tarde, passou a integrar o MDB, liderado pelo deputado federal Francisco Pinto, que foi eleito prefeito, empossado em 1963, e deposto em 1964 pelo governo militar. Bem antes disso, em 1946, Hermes Sodré casou-se com dona Otávia, filha de Antônio Panta, da Fazenda Mucambinho, e dessa união nasceram 11 filhos. Em 1950, Hermes adquiriu outra fazenda no distrito de Jaíba. Ele lembrava sempre que, no dia 24 de agosto de 1954, estava ajudando na construção da torre da igreja do povoado de Jaíba, quando chegou a notícia do suicídio do presidente Getúlio Vargas, causando enorme comoção entre os moradores do local.
Hermes relatava que, graças ao seu ritmo de trabalho, em determinada época, chegou a desfrutar de uma situação financeira muito boa, mas “fui golpeado por um amigo, o que eu nunca esperava. Foram 426 milhões de cruzeiros (valor da época)”. Debilitado financeiramente, ele abriu uma agência de bicicletas na Rua do Fogo e acumulou mais prejuízos. Em 1958, Hermes passou a trabalhar como técnico rural na Secretaria de Agricultura do estado e conseguiu uma marca incomum: "Bati 925 sacas de milho e mais de 200 sacas de feijão." Empolgado, o Secretário de Agricultura, Lafayete Coutinho, relatou: "Nunca vi um funcionário como este."
Em 1976, ainda sentido pela morte do pai, ocorrida dois anos antes, Hermes concorreu à Câmara Municipal e foi eleito. Quatro anos depois, foi reeleito com o dobro de votos. Aí já era o "marechal Hermes", por ser homônimo do marechal Hermes da Fonseca, e se notabilizou pelo trabalho no Legislativo, conseguindo várias escolas para o distrito de Maria Quitéria, 32 professores e 30 zeladores. Além disso, constantemente cuidava de melhorias nas estradas vicinais e outros serviços. Operoso, líder nato, o que compensava a falta de uma formação acadêmica, o "marechal" foi líder do governo na Câmara Municipal na primeira gestão do prefeito Colbert Martins da Silva (1977/1982), época em que o Legislativo contava com nove vereadores, oito contra o prefeito e apenas um ao seu lado: o "marechal", que, com o seu jeitão caboclo, mudou o jogo na casa legislativa e todos passaram a apoiar o prefeito Colbert Martins. O "marechal" e o prefeito foram aliados, amigos e compadres.
Muitos casos folclóricos eram contados sobre o "marechal", alguns deles verdadeiros, como este. Amigos seus, reunidos em um bar, quando ele retornava da fazenda com uma manta de carne de boi no seu carro, malandramente o desafiaram para beber um litro de uísque em determinado tempo (ao que parece, 40 minutos). Ele, que já havia tomado várias doses de bebida com amigos por onde passara, topou, mas contrapropôs: "Só com carne assada", sem saber que um dos brincalhões saíra escondido e pegara a carne no seu carro, já preparando-a como ele gostava. Forte como um touro, o "marechal" bebeu a garrafa de uísque em um tempo bem menor que o acertado. Ganhando o desafio, entrou na caminhonete e foi para sua residência.
Estacionou o veículo em frente à casa e entrou imediatamente. Sua esposa, que já esperava a carne para preparar, foi buscá-la junto com uma sobrinha, como sempre fazia, mas a mala do carro estava vazia. Não encontrando a carne, foi avisá-lo. Hermes Sodré estava deitado, como chegara, o corpo duro e azulado. Como ele não se movimentasse, apesar dos esforços da família, já desesperada, a esposa ligou para o compadre, prefeito Colbert Martins: “Corre, doutor, que seu compadre está azul e duro, em cima da cama.” Rapidamente, Colbert Martins conseguiu levá-lo a um hospital. Medicado e depois de uma lavagem estomacal, o "marechal" se recuperou rapidamente, graças à sua ótima compleição física. Outro, provavelmente, não teria resistido.
Na Câmara, dentre outros tantos casos interessantes, este ocorreu quando o Legislativo funcionava no edifício do INPS, na Praça Bernardino Bahia. Sessão noturna propondo a extinção do feriado de São Pedro (29 de junho) ou a sua troca pelo feriado de Senhora Santana. Na hora de votar, católico fiel, o "marechal" se viu em dificuldade. "Eu sempre me dei bem com todos os santos, como é que eu vou ficar agora com São Pedro? O que é que eu vou dizer a ele?" ponderou, aflito, o marechal. Mas, como a maioria já votara pela extinção do feriado de São Pedro e a inclusão do feriado de Senhora Santana no calendário municipal, o "marechal", meio sem jeito, disse "sim!".
Por Zadir Marques Porto