Já imaginou uma rua no centro da cidade que, durante o dia, não para, pulsando com um comércio vibrante, e que ao cair da noite, se transforma em um local incomparável para boêmios, jogadores, desordeiros e garotas da ‘vida difícil’? Ostentando o nome do romântico poeta feirense Francisco de Sales Barbosa, ela já foi assim!
Não deve ter sido fácil ser uma “Rua do Meio”, e a irrequieta Sales Barbosa foi, de tal maneira, que até hoje muitos ainda lembram a pujança dessa artéria, na época de mão dupla e “vida dupla” também. Dotada de um comércio vigoroso e palpitante durante o dia, ela esmaecia com a chegada do fim da tarde e, à noite, abdicava dos números, dos caixas, artigos variados e das contas, ainda feitas com lápis grafite, para se entregar à “doce vida”, personalizada pelos boêmios, jogadores, desordeiros e belas garotas de vida difícil, embora considerada fácil.
Partindo da Praça João Pedreira e tendo no lado oposto a Marechal Deodoro, sempre mais tímida e conservadora, a Sales Barbosa, uma valiosa homenagem ao ilustre poeta, jornalista, advogado feirense e, sobretudo, abolicionista, Francisco Sales Barbosa, nascido em 29 de janeiro de 1862, já foi o coração da cidade, fazendo bater acelerado o coração de muita gente. Nos quarteirões iniciais, a partir da Praça João Pedreira até a confluência com a Praça da Igreja dos Remédios, o comércio ditava as ordens.
Logo no início, no seu lado direito, o Mercado Municipal (hoje Mercado de Arte Popular), e na esquina, de cara com o MM, a sede do Jornal *Folha do Norte*, de circulação disputada nos dias de sábado. Lojas fortes como Sarkis, Violeta, Majestosa, Ideal, o bar Meu Cantinho, Soberana, Armarinho Tapajós, Cinderela e muitos outros estabelecimentos de calçados, tecidos, armarinhos e lojas de variedades, além do Banco Baiano da Produção, um banco autenticamente feirense, pertencente à família de João Marinho Falcão.
No segundo quarteirão, marcado pelo prédio do INPS (onde funcionou a Câmara de Vereadores), a Loja Cidreira, a Casa São Jorge de Jorge Bullos, Armazém Cupertino, Ele e Ela, Café Paulino, Casa Ramos, Casa Pimenta, Casa 320, a barbearia de Patrício, a relojoaria de Israel Carvalho e, nas imediações da atual loja Di Paula, a Padaria da Fé de Jorge Mascarenhas – um estabelecimento ímpar no ramo de panificação, que deixou sua marca na história local. Havia ainda várias outras empresas de grande relevância para a economia da cidade.
Na confluência da Sales Barbosa com a Rua Capitão França, início do terceiro quarteirão, o Bar Sport era ponto de atração dos desportistas e torcedores, que ali se reuniam nas tardes de domingo para acompanhar os jogos do campeonato do Rio de Janeiro. Um grande e potente receptor de rádio era ligado para que o público acompanhasse jogos como Vasco x Botafogo, Flamengo x Fluminense, América x Bangu. O clima era semelhante ao de um estádio e havia as habituais apostas. Muita animação, contudo, sem registro de incidentes.
Mas a grande atração para os boêmios e apreciadores da vida noturna também estava na Rua Sales Barbosa: era o palpitante Cassino Irajá, do empresário Oscar Marques. A casa se tornou famosa por oferecer música com orquestra, bons cantores, fino uísque e 'mulheres belíssimas oriundas do Rio de Janeiro e outras grandes cidades'. Com o desaparecimento dessa casa, foi instalada a Suprema Móveis, uma loja ultramoderna que patrocinava o programa *M. Portugal e a Sociedade*, apresentado pelo colunista social M. Portugal em emissoras de rádio local (Sociedade e Cultura). O famoso colunista, idealizador de eventos como *O Broto do Ano*, *Uma Noite no Havaí* e *Festa das Debutantes*, também promovia desfiles de moda na loja, com muito glamour, atraindo a alta sociedade.
A partir das 19 horas, no entanto, com as portas fechadas, esse trecho da Rua Sales Barbosa adormecia para o comércio, enquanto a outra etapa do logradouro, que vai até a Praça Froes da Mota, acordava para a vida noturna sem se espreguiçar, porque era preciso aproveitar cada minuto dos venturosos momentos de lazer e prazer, com bares, pequenas boates e casas de jogos de sinuca e bilhar. Assim foi a Sales Barbosa durante muito tempo, até um pouco depois dos anos iniciais da década de 1970.
Vale lembrar a Praça Bernardino Bahia, popularmente conhecida como Praça do Lambe-Lambe, por congregar os fotógrafos de rua, ou fotógrafos lambe-lambe, que tiveram grande importância para a cidade quando a tecnologia não havia dotado a arte fotográfica dos extraordinários avanços atuais. Na mesma praça, o bonito coreto, ainda existente, propiciava tocatas de filarmônicas, sempre com a presença de muitas famílias nos dias de domingo.
E o poeta Sales Barbosa? Bem, se fosse vivo, faria 199 anos no dia 29 deste mês (já pensaram?). Ele foi um dos expoentes da poesia em Feira de Santana, com uma obra talvez não tão vasta, mas certamente expressiva e cheia de riqueza no campo do romantismo. Tanto que a professora de Letras e poetisa Cíntia Portugal, autora do magnífico livro *Caminhado pela Cidade*, o elegeu para homenagens contínuas, com uma expressiva decoração dos bancos da praça que tem o nome do poeta. Coincidência ou não, Francisco de Sales Barbosa, através da professora Cíntia Portugal, parece estar sempre presente naquele trecho da cidade, com seu idealismo, sua coragem e seu inapagável romantismo.
Francisco de Sales Barbosa era filho de João Zacarias Barbosa e Alexandrina Marais Barbosa. Aos 17 anos, já escrevia em jornais e fundou o *Eco Feirense* com o colega Libânio de Moraes. Fez o curso de Direito em Recife, publicou o livro de poesias *Cavatinas* em 1886. Em Recife, fundou o jornal *Sabedoria* e, em Aracaju, escreveu no jornal *A Marselhesa*. Defendeu com vigor a liberdade dos escravos. Faleceu jovem, em 1888, aos 26 anos de idade.
Por Zadir Marques Porto